Matéria publicada na edição 1526 de PLACAR, de agosto de 2025, já disponível em versão digital e física em nossa loja
Na beira do gramado do estádio Kléber Andrade, em Cariacica, no Espírito Santo, um jovem franzino esfregava incessantemente o rosto, erguia as mãos aos céus e movia os lábios, sussurrando uma oração, enquanto aguardava com ansiedade pela autorização do árbitro para entrar em campo pela primeira vez como profissional na carreira.
O jogo – e a estreia em 10 de julho contra a modesta Desportiva Ferroviária – passaria despercebido se fosse só mais um. Mas não era. No dia seguinte, o jornal espanhol As já registrava em suas páginas: “O amistoso contou com a estreia de Robinho Jr., filho do ídolo santista, que estreou no time principal do Peixe aos 17 anos, vestindo a camisa 7 do pai, que atualmente está preso”.

Em Cariacica, com roupas largas: prodígio entrou no segundo tempo e contribuiu uma assistência para o gol marcado por Pituca – Raul Baretta/Santos FC
Filho do protagonista santista nos títulos brasileiros de 2002 e 2004, que hoje cumpre pena de nove anos desde março de 2024 por estupro coletivo cometido contra uma mulher albanesa em uma boate de Milão, em 2013, Júnior fez, longe dos olhos do genitor, o primeiro jogo com a icônica camisa branca.
Na cela coletiva que Robinho pai ocupa no presídio de Tremembé, até há um aparelho de televisão compartilhado, mas só é possível assistir a canais abertos, e o jogo foi transmitido pelo canal SporTV, emissora de canal fechado da Globo.
Seis dias depois, mais frisson. Neymar caminhava pelo gramado da Vila Belmiro, ainda tentando recuperar o fôlego depois dos primeiros 90 minutos completos desde a volta de uma série de lesões no Santos, quando um coro tomou conta das arquibancadas: “Olelê, olalá, o Robinho vem aí, e o bicho vai pegar”.
Ao ser posicionado em frente a um painel de acrílico com diversos patrocinadores para dar entrevistas, o camisa 10 abriu um largo sorriso quando ouviu o primeiro questionamento: “O Santos ganhou de 1 a 0, com gol seu, e mesmo assim a torcida está gritando o nome dele (…)”. Era a sua melhor partida desde a volta ao clube em fevereiro deste ano. Neymar havia decidido o jogo contra o Flamengo marcando o único gol da vitória da equipe diante do então líder do Brasileirão, em 16 de julho, pela 14ª rodada da competição, mas o principal astro do futebol brasileiro foi parcialmente ofuscado pela estreia em competições oficiais do agora novo prodígio.

‘Juninho’ ao lado da mãe, Vivian Guglielmetti, durante a renovação do contrato com o Santos em julho – Reinaldo Campos/Santos FC
“O Juninho tem muito potencial. A semelhança com o pai é muito grande. Independentemente do que o pai dele está passando, ele tem a cabeça muito boa, muito forte. Não é fácil estar no lugar dele, não é fácil estrear dessa forma, com a pressão que leva o nome dele, que ele está”, disse o atacante de agora 33 anos. E emendou: “Estou aqui para ajudar. Ele é um menino de muito bom coração e torço demais por ele. Fiquei contente de vê-lo pequenininho e ele estrear ao meu lado. O tempo está passando, e rápido, e agora só depende dele. Futebol ele tem”.
Aos 17 anos e fisicamente parecido com o pai – a principal diferença é que é canhoto –, o jovem Robinho Jr. começa a dar os primeiros passos como jogador profissional sob holofotes e enormes expectativas, mas também sob a inevitável sombra da condenação do antigo camisa 7 do clube paulista.
Na base do Santos desde 2022, Júnior é visto como um “autodidata” no futebol por pessoas mais próximas. Com apenas 51 kg, tem habilidade considerada acima da média, mesmo com um ciclo incomum de viagens e pouco acompanhamento nas categorias de base, por vezes comprometido pelas mudanças de clube de Robinho desde seu nascimento: Manchester, na Inglaterra; Milão, na Itália; Guangzhou, na China, Belo Horizonte, além de Sivas e Istambul, ambas na Turquia, foram só algumas das cidades em que morou.

Com o pai, na Vila, durante um jogo do Santos em 2014 – Ricardo Saibun/Santos FC
“O Juninho chegou à minha mão com 5 para 6 anos, em 2012, e sempre foi absolutamente diferente dos outros. Eu o incentivava para que ficasse o maior tempo possível com a bola nos pés. Os pais dos outros meninos saíam na bronca comigo, mas insistia com isso porque via algo completamente excepcional: um menino canhoto e que tinha o drible mais refinado que o do pai. Ele era inacreditavelmente habilidoso e tinha uma coragem incrível para tentar quantas vezes fosse necessário”, conta Robson Fernandes de Oliveira, treinador do jovem no Portuários, clube de Santos.
A escolha de Fernandes como primeiro técnico do então Juninho foi feita a dedo – e por Robinho pai. Ele era um velho conhecido do clube em que o antigo Rei das Pedaladas teve sua formação no futsal antes da chegada às categorias de base.
“Ele me confiou totalmente a orientação dele no futebol. Disse que teria que ser comigo do início ao fim, que teria total liberdade para instruí-lo”, lembra Oliveira. O vínculo entre eles só seria encerrado na ida para o Santos.
O jovem migrou para o futebol de campo quando tinha 10 para 11 anos. Durante a passagem de Robinho pelo Atlético-MG, entre 2016 e 2017, Vivian Guglielmetti, mãe de Juninho e esposa de Robinho, viajava de Belo Horizonte todas as sextas para que o filho pudesse jogar aos sábados, em Santos. A rotina foi mantida por mais de um ano.

No Portuários, antigo clube formador do pai, sob cuidados de seu principal técnico na base, Robson Fernandes de Oliveira – Arquivo pessoal
“Eu o vi fazendo esse bate e volta de BH sem reclamar uma vez sequer. E chegava no jogo voando, hein? Antes ele também voltava de viagem longa da China com o pai (quando defendeu o Guangzhou Evergrande em 2015) e já treinava no mesmo dia. Passava as férias todas comigo.”
A personalidade decisiva marcou o primeiro treinador. Diferente do irmão mais novo, Gianluca, Robinho Jr. jamais foi apegado a brinquedos. A pessoas mais próximas, pedia de aniversário chuteiras, bola ou qualquer item relacionado a futebol, mas refutava os bonecos. Foram muitos os registros com o pai durante os treinos nas equipes em que passou demonstrando impressionante habilidade para a pouca idade.
Na última final que disputou sob seu comando, o time perdia por 2 a 0 no estádio Ulrico Mursa, da Portuguesa Santista, até que o jovem conduziu uma virada marcando o primeiro gol, criando a jogada para o segundo e também fazendo o terceiro. “Depois desse dia, falei para o Robinho: ‘Ele vai ser melhor do que você’.”
A chegada ao Santos só ocorreu em 2022, meses depois da condenação em última instância do processo na Itália. Antes disso, em outubro de 2020, o clube do litoral paulista e Robinho precisaram desfazer um acordo para um contrato de cinco meses de duração depois de intensa repercussão nacional devido ao caso de violência sexual.
Na base, chamado de Juninho, eram comuns as homenagens do filho ao pai e maior ídolo, com declarações e uma camisa que usava por baixo do uniforme oficial com o escrito “melhor pai do mundo”.

No Portuários (o 3º da esq. para a dir.), comemorando uma conquista no processo de formação – Arquivo pessoal
A história de Robinho Jr. poderia ter terminado na Vila Belmiro antes mesmo de começar. Ele era um dos muitos nomes de uma lista de possíveis dispensados ao fim do último ano. “De fato, o Robinho fazia parte de uma lista de jogadores que não permaneceriam para 2025. Sempre teve muito potencial, mas estava abaixo no fim do ano. Reavaliamos e mantivemos alguns, além dele. Hoje está dando essa resposta”, afirmou José Renato Quaresma, diretor das categorias de base do clube.
A prisão do pai mexeu com o jovem em 2024. Depois do episódio, o clube escalou psicólogos para monitorar seus passos e assisti-lo. Pouco antes da prisão, ele utilizou as redes sociais para publicar diversas fotos respondendo a comentários sobre a prisão.
“‘Meu sonho é ser rico’, ‘meu sonho é ser médico’… Sabe qual é o meu sonho? Que todos saibam a verdade e que minha família possa viver em paz”, disse na ocasião. “É triste ver marmanjos de 30 anos comentando em um vídeo, xingando um menino de 16 anos. Espero que entendam, e Deus abençoe.”
O Santos, agora, se encarrega de blindar sua promessa. Há orientações para evitar deslizes nas redes sociais, além do veto até aqui a entrevistas exclusivas. Recentemente, durante uma live, ele disse ter a “obrigação de família de deitar”no Corinthians, em referência ao retrospecto do pai contra o maior rival (sete vitórias, quatro empates e duas derrotas) e chamou o alvinegro da capital de “time pequeno”. O episódio foi relevado pela imaturidade da idade, mas fez com que o clube repensasse sobre uma exposição mais controlada.
Internamente, Robinho Jr. ainda é tratado como um jogador sub-20, embora tenha assinado no último mês uma extensão de contrato até 2027, com um novo acordo encaminhado até 2030, além de multa rescisória de 100 milhões de euros (R$ 630,2 milhões).
Antes da assinatura do vínculo, o clube enviou um representante do departamento jurídico ao presídio de Tremembé para aprovação dos termos por Robinho.
“Todo atleta sub-20, caso não vá para o jogo do profissional, desce para jogar. Isso é regra nessa gestão. Veja o Luca Meirelles, o Gustavinho, o Alencar… Ele tem muito potencial e futuro, mas ainda o vejo como um nome muito promissor em formação. A torcida precisa ter paciência, temos 14 atletas sendo preparados para servir ao profissional, e ele é um deles”, explica Quaresma.
A preocupação do Santos se dá para não queimar etapas e a aparente fragilidade física do prodígio. Embora seja considerado avançado tecnicamente, ele tem uma desvantagem por fazer aniversário só em dezembro – as categorias são separadas por anos de nascimento, e não por idade.

Franzino e com apenas 51 kg, joia desperta atenção do clube em seu desenvolvimento – Reinaldo Campos/Santos FC
No fim de 2024, por exemplo, foi peça importante na conquista do Campeonato Paulista sub-17 – dividindo a artilharia da equipe com Luca Meirelles, com nove gols –, mas não terminou uma só partida das 29 em que esteve em campo, sendo 26 pelo Estadual e três pelo Brasileirão da mesma categoria. Foram dez jogos como titular e 19 saindo da reserva.
“A técnica dele casa muito com um estilo que o Santos procura, mas ainda tem uma maturação tardia. É leve, veloz e tem o drible, só que sofreu um pouco fisicamente no sub-17. Aos poucos foi ganhando espaço e minutagem, porque entendeu rapidamente como solucionar isso: fez a leitura de soltar a bola mais rapidamente, algo incomum paraa idade”, disse o técnico do sub-17 do Santos, Elder Campos.
“Ele desenvolveu isso para fugir do contato e acabou também aprendendo a jogar em outras posições, o que confunde o adversário. Pode atuar pela ponta direita, pela esquerda, de falso 9 ou como meia”, acrescentou o treinador.
Mesmo no profissional, é visível como o jovem prende menos a bola, embora também goste do drible. Parte dos conselhos vêm de Neymar, que chegou a ser chamado de “filé de borboleta” pelo técnico Vanderlei Luxemburgo em 2009.

Com Neymar, ídolo e figura próxima no dia a dia: ‘Cuidarei de você’, prometeu o camisa 10 – Raul Baretta/Santos FC
São frequentes os registros fotográficos com os dois bastante próximos durante os treinamentos, além da troca de elogios públicos. Robinho diz ter Neymar como seu maior ídolo ao lado do pai, enquanto Neymar prometeu publicamente cuidados especiais com ele, como os que recebeu de Robinho quando atuaram juntos em 2010, então principal jogador da seleção brasileira durante a era Dunga.
Apesar dos riscos, apoiado pela família, o menino deixou a condição de Júnior ou Juninho para ser só Robinho Jr. Quando subiu ao profissional, teve oferecidas a camisa 17 e a 7. Também ouviu como sugestão o número 23, utilizado pelo pai quando subiu aos profissionais no primeiro semestre de 2002, mas adotou a emblemática camisa 7.
“Desde seus primeiros passos na base, demonstrou que tem um grande potencial técnico. Seu DNA ofensivo e a tradição do Santos de revelar grandes talentos nos deixam confiantes e esperançosos, ele escreverá sua história no clube”, afirmou o presidente Marcelo Teixeira.
Escrever a própria história é justamente o que Robinho Jr. mais quer.
‘CONSIDERO INJUSTO COBRAR ROBINHO JR. EM RELAÇÃO AO PAI’
Adriano Wilkson, jornalista e apresentador do podcast “Os Grampos de Robinho” (UOL) e produtor do documentário “O Caso Robinho” (Globoplay)
“Quando Robinho e seus amigos promoveram o estupro coletivo de uma mulher na Itália, Robinho Jr. tinha 6 anos. Ele cresceu convivendo com um pai que não era apenas um grande jogador, mas alguém acusado e condenado por um crime gravíssimo. Quando Robinho enfim foi preso, em 2024, o filho tinha 16 anos, e nós só podemos imaginar o impacto que isso causou em um adolescente, alguém que está em formação, tentando ainda entender e se adequar às complexidades e contradições da vida. Pela idade e pela proximidade que sempre teve com o pai, considero injusto cobrar algum tipo de posicionamento público ou postura crítica de Robinho Jr. em relação ao crime cometido.

Juninho e o pai em 2010, durante a segunda passagem de Robinho pela Vila – Ricardo Saibun/Santos FC
Mas quando Robinho Jr. usa as redes sociais para atacar quem denunciou o crime do pai e cobrou sua condenação, criticando até a imprensa (que foi fundamental para resolução do caso), é nosso dever apontar o erro e restabelecer a verdade. Eu li o processo, ouvi os áudios e as provas materiais, estudei todos os argumentos apresentados pela família de Robinho e digo com segurança: Robinho e os amigos cometeram esse crime e depois menosprezaram e tentaram silenciar a vítima. Essa opinião não é apenas minha, mas de todos os juízes italianos que julgaram o caso nas três instâncias. Infelizmente, nem Robinho, nem sua família, nem o Santos, nem parte da torcida parecem ter entendido a gravidade disso. Até hoje”.
‘PRECISAMOS PRESERVAR E PROTEGER O ADOLESCENTE’
Silvana Trevisan, assistente social pioneira em trabalhos nas categorias de base do futebol. Ficou no Santos por seis anos
“Atuei com alguns atletas cujos pais estiveram em sistema prisional. O objetivo sempre será preservar e proteger esse adolescente de qualquer situação vexatória, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nossa função é simples: acolher e nos colocarmos à disposição para que ele (atleta) se sinta respeitado, independentemente do seu contexto social. A integridade social é um princípio ético que se refere à proteção de direitos e ao bem-estar desse adolescente. Em qualquer situação de ofensas que ocorra e possa trazer prejuízos no desenvolvimento social e psicológico, a instituição em que o adolescente está inserido deverá tomar providências por danos morais.

Atacante tem somente cinco jogos como profissional no Santos – Reinaldo Campos/Santos FC
Geralmente, o responsável pelo adolescente me trazia essa informação e pedia apoio para que essa situação não atrapalhasse seu desempenho esportivo. Meu posicionamento profissional sempre foi esclarecer que o atleta jamais deveria aceitar os estigmas que prejudicassem a oportunidade ou que prejudicassem sua história de vida. O que precisamos entender é que correlacionar uma situação como essa é condenar a liberdade desse adolescente pelos seus laços parentais”.
COMO ESTÁ ROBINHO HOJE
Desde março de 2024 na penitenciária Dr. José Augusto Salgado, em Tremembé, Robinho foi preso após a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir que deveria cumprir no Brasil a pena pelo crime de estupro coletivo, a partir da sentença de condenação de nove anos da justiça italiana. À PLACAR, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que ele participa do “Clube da Leitura”, programa interno que incentiva o desenvolvimento dos presos, pratica atividades regularmente, exerce atividade laboral como auxiliar e está inscrito no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Também concluiu curso de Eletrônica Básica, Rádio e TV.

Robinho cumpre pena de nove anos no presídio em Tremembé -Reprodução
Ele segue a mesma dieta dos demais custodiados, mas também recebe alimentos e outros itens cadastrados por quem o visita. Essas, por sinal, só podem ser feitas por parentes de primeiro grau (pais, filhos e cônjuge) e ocorrem uma vez por semana, alternando entre sábados e domingos. A defesa do jogador já recorreu da decisão do Supremo, pedindo pela suspensão do cumprimento da pena, mas os pedidos de liberdade foram rejeitados. Para progredir para o semiaberto, regime em que o cumprimento da pena é mais brando, Robinho deverá cumprir pelo menos 40% no fechado – o que só deve ocorrer em 2027. A remissão da pena acontece com trabalho e estudos na penitenciária.

Capa da edição 1526, de agosto de 2025 – Reprodução/Placar